Pronomes possessivos
Classes gramaticais [ou facetas de mim]
As coisas como são
Transtorno pronominal [o caso reto]
Era um dia comum como [quase] todos os outros. Aurora havia acabado de retornar à casa depois de mais um cansativo dia de trabalho. Estava ainda na entrada do prédio quando Jairzinho, vizinho de mesma idade que seu filho Roberto, desceu as escadas em direção à rua.
- Tia, posso brincar na sua casa? - perguntou Jairzinho trocando olhares com o amigo, já dando meia-volta e acompanhando Aurora e Roberto de volta às escadas.
- Acho que você deveria avisar a sua mãe antes.
- Ela já sabe!
- Sabe nada, Jair! - disse em tom brincalhão mas claramente repreensivo. Ele sorriu um sorriso sapeca que por si só parecia gritar: estou mentindo.
- Façamos o seguinte: a tia entra primeiro, guarda as bolsas e depois que o Betinho estiver de banho tomado pedirei para ir te chamar, está bem assim?
- 'Tá bom, tia!
Banho tomado, lanche também, dever de casa feito, eis que Aurora permite que Roberto vá chamar Jairzinho.
No meio da brincadeira Jairzinho se aborrece com uma divisão [na sua opinião] injusta dos carrinhos. Isso porque, tendo dois, Roberto deu um para cada e Jairzinho queria todos.
- Mãe, o Jairzinho quer ir embora...
- Ok. Eu o levarei em casa.
Mas Roberto, preocupado com a impaciência do amigo, adiantou-se à porta e começou a girar a chave.
- Roberto! Você escutou o que acabei de falar?
- Escutei, mãe: "vamos levá-lo em casa"!
- VAMOS? Não disse "vamos", disse que "EU" o levaria em casa! "Eu" e não "nós"!
- Então, mãe: EU-ROBERTO!
- Nãão... EU-AURORA!
- A senhora é "você", mamãezinha... "EU" sou EU mesmo: R-O-B-E-R-T-O!
Aurora respirou fundo. Impossível explicar a uma criança tão pequena todas as relatividades dos pronomes pessoais do caso reto...
A essa altura Jairzinho já havia se esquecido de que queria ir embora. A briga pelos dois carrinhos era assunto do passado, agora estava de volta ao quarto montando as primeiras peças do joguinho de quebra-cabeça.
Raros minutos de silêncio se passaram.
[...]
Então:
- 'Bétô', onde encaixo esse?
Roberto adiantou-se e encaixou a peça no local correto. Jairzinho cruzou os braços com uma expressão profundamente ressentida. Levantou-se num pulo:
- Seu sem-graça! - vociferou indignado - Era para EU montar...
- Eu-Roberto?
- ARGH!!!! - e Jairzinho saiu pisando fundo pela porta afora [tão rápido que] nem deu tempo de Aurora alcançá-lo. Roberto, no entanto, em sua confusão pronominal, jamais soube como aborrecera o amigo...
- Eu, heim!
Aurora, embora tentasse explicar, quase sempre perdoava a falta de entendimento das crianças por elas pouco saberem de gramática. O estranho é que muitos conhecidos seus, já sendo adultos, tinham a mesma dificuldade de Roberto para relativizar o eu...