Bem... voltei!
antes de mais nada peço desculpas pela ausência,
ultimamente este blog esteve jogado às moscas...
Esse texto, embora inédito, não é exatamente novo,
faz parte de uma idéia há muito engavetada nas minhas anotações.
Se o ressucitei hoje foi por que meus pensamentos não estavam assim tão embaralhadas. Ritinha trabalhava em uma empresa em decadência, fazendo um trabalho medíocre. Seus tantos anos no mesmo serviço lhe conferiram perante aos demais alguma autoridade sobre o assunto. Autoridade, aliás, era o substantivo preferido de Ritinha (embora não soubesse fazer distinção entre autoridade e autoritarismo).
Vivia cercada de funcionários decadentes com salários medíocres. Orgulhava-se por receber cinquenta reais a mais do que o restante: "- um sinal de confiança no meu trabalho", dizia. E tudo o que seus cinquenta reais excedentes lhe proporcionava Ritinha explanava, contando vantagem do picolé que custava dez centavos mais caro e da farofa de praia cuja linguiça era de marca melhor.
Aos ouvidos dos colegas decadentes a vida de Ritinha era um sonho. Transpiravam por seu picolé, salivavam por sua farofa, invejavam toda sua sorte e autoritarismo. Nunca souberam o quanto se completavam, afinal seria injusto reclamar do comportamento de Ritinha sem admitir que os próprios colegas fomentavam suas atitudes.
Mas tudo, já dizia Einstein, depende do ângulo de quem vê. Ritinha bem sabia que em terra de cego quem tem um olho é rei, por isso fora tão importante manter-se em seu trabalho medíocre. Porque cinquenta reais no meio de quem não tem nada é muita riqueza. Ritinha não era rica, mas a relatividade a fazia pensar que sim.
O melhor acalento para a nossa falta de sorte sempre foi pensar naqueles que, por motivos diversos, enfrentam situação pior. Os mortos de fome ao lado nos fazem pensar que quatro refeições precárias são um luxo. Moradores de palafitas nos fazem acreditar que uma casa de tijolos à amostra é um palácio. Ritinha explorava esses contrastes em seu benefício. Deixava-se ser saudada por ter um pouco mais, tinha prazer em fazer-se Rainha. Porém o mais interessante da relatividade é a certeza de que absolutamente nada é definitivo. Ritinha bem sabia do reverso: uma casa bem acabada torna ridículo o tijolo à amostra, mas não ousava admitir para não perder o seu reinado. Vivia no país das maravilhas para não enfrentar sua triste realidade, porque, afinal, apesar dos nomes bonitos que Ritinha atribuía a si mesma, na vida real [e em terra de gente normal] quem tem um só olho não é rei, é deficiente.
Viva a teoria da relatividade,
Viva a miséria de seus súditos,
Viva a palafita, o tijolo à amostra,
que possibilitam à Ritinha, com toda a sua carência de grandeza, reinar.
P.S.: Peço desculpas desde já a eventuais mal-entendidos.
Esse post nada tem a ver com preconceito sobre as limitações físicas de ninguém.