sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Cinco flechas - capítulo 47

– Escute, Kawã, podemos ajudar – ofereceu um dos guerreiros.

– Não – berrou o pajé – não quero mais ninguém envolvido nisso. Voltem todos para as suas casas e se protejam! Buscarei minha mulher sozinho.

Mas nenhum dos homens se moveu. Todos estavam convictos de que deveriam fazer alguma coisa.

– Nós vamos ajudar sim – teimou Ubiraci.

– Não, papai! Se proteja! Essa briga é para eu travar sozinho. Não quero que mais ninguém se machuque por minha causa, por favor... – havia um desespero nítido na voz de Kawã. Estava perdendo tempo ali, tinha que salvar Ianaré o quanto antes. Já havia tentado entregar o cargo de pajé mas ninguém estava disposto a deixá-lo abrir mão do posto. Todos o reconheciam como um líder. Jamais permitiriam que fosse embora.

Kawã olhou para as pessoas paradas ao redor e não avistou a figura de Naomi. Pediu seu pai que fosse chamar o cacique pois somente Naomi conteria aquela multidão. Acompanhou com os olhos Ubiraci se afastando e pediu à Nadi.

– Mamãe, tome conta da Poji para mim. Ela está correndo um grande perigo. Não a deixe sumir de vista nem permita que vá procurar a Nana. Quando o cacique chegar eu...

Kawã ouviu um grito que fez seus músculos paralisarem. A voz era de Ubiraci. Não é possível, pensou, papai não pode...

– ELE ESTÁ MORTO, ELE ESTÁ MORTO!

Kawã correu em direção à oca do cacique. Entrou sem anunciar e parou diante do corpo inerte de Naomi, tombado sobre a rede com cinco flechas atravessadas pelo corpo. Débora chegou logo depois, não conseguia correr à velocidade de Kawã. Parou à porta, estarrecida.

– Não pode ser – Ubiraci repetia sem se conformar – não pode ser.

Kawã se sentiu impotente. A morte de Naomi havia destruído uma parte de sua força. Pensava em Ianaré, tinha medo de não encontrá-la a tempo. Não sabia o que faria se isso acontecesse. Precisava partir logo, mas o cacique estava morto agora, a tribo estava confusa, precisavam de sua orientação. Tinha o dever de ajudá-los e receio de perder a última chance de salvar Ianaré. Ajoelhou-se próximo ao morto.

– Nana, espere por mim...

Seu pai o ajudou a reerguer-se e o conduziu para fora da oca. Caminharam de volta ao pátio onde a tribo permanecia reunida.

– Naomi está morto – anunciou.

Houve um misto de assombro e comoção. Os anciãos correram até a oca do cacique e após uma vistoria no local saíram de lá cabisbaixos.

– Agora – disse Kawã aos conselheiros – temos que escolher o novo cacique. Nossa tribo está em guerra e precisamos de um líder com urgência.

Os conselheiros assentiram com a cabeça e se retiraram para a oca de um deles. Kawã sabia de sua responsabilidade pelos funerais. No entanto não conseguia parar de pensar no perigo que Ianaré ainda estaria correndo. Aproximou-se do ouvido de Ubiraci e disse baixinho:

– Isole a casa de Naomi. Não deixe ninguém se aproximar. Vou aproveitar a confusão para procurar a Nana.

Mas Kawã não se moveu. Avistou ao longe uma nuvem colorida formada por aves de todos os formatos e tamanhos que voavam em sua direção. A menor de todas pousou em seu ombro e parecia confidenciar em seu ouvido. O pajé caiu de joelhos.

– NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!

Seu grito ressoou tão alto que calou os animais da floresta. As lágrimas desceram apressadas em seu rosto. Nadi apertou Apoji em um abraço choroso. Ubiraci ficou imóvel por um tempo então curvou-se diante do filho e fez menção de ajudá-lo a se levantar. Kawã não reagiu. Não tinha forças para isso. Permaneceu ajoelhado no chão, chorando desamparado. Débora acariciou-lhe os ombros. Não conseguia pensar em nada para dizer.

Os pássaros levantaram vôo no mesmo instante em que os conselheiros voltaram ao pátio. Arapuã anunciou:

– Decidimos por unanimidade que o novo cacique deve ser o guerreiro mais forte e corajoso que temos, que além tudo é conhecido por seu discernimento e justiça. Ele é filho de Apoema e responde pelo nome de Ubiraci.

A multidão se agitou novamente só que dessa vez de contentamento. Débora deu pulinhos de felicidade. Ubiraci foi reverenciado. A tribo havia aprovado a escolha. Mas Kawã não levantou. Estava soluçando ao ombro de Poji.

– Meu filho – disse o novo cacique – não é hora para lamentações. Naomi está morto e temos uma guerra para enfrentar. Você precisa se recompor.

Nadi ofereceu-lhe apoio e Kawã se ergueu, ainda que contra a vontade. Sabia que Ubiraci lamentava tanto como ele próprio mas como cacique tinha agora deveres a cumprir. Reconheceu que ele tinha razão. Precisavam agir logo ou teriam muito mais vidas para chorar.

Novamente Kawã entregou Apoji à sua mãe. Deu um beijo demorado na testa da menina e outro em Nadi e disse:

– Eu sei que virão atrás da minha pequena, mamãe! Eles querem me atingir, querem me forçar a entregar Débora. Só confio na senhora para protegê-la. Por favor, cuide de Poji para mim. Faça o que puder por ela. Eu preciso partir agora. Débora está completamente vulnerável.

– Sim, meu filho. Farei o que me pede. Vou proteger a pequena mesmo que seja com a minha vida.

Kawã observou Nadi por um instante e depois abaixou os olhos.

– Não me peça para escolher entre vocês duas. Quero Poji e Nadi juntas. A vida de uma não vai substituir a da outra.

– Agora já prometi, filho – falou ela com uma voz muito firme – uma palavra depois de dada nunca volta atrás.

Ubiraci estava reunido com os conselheiros e os demais homens da tribo para definir estratégias de combate. As mulheres se recolheram lentamente para as suas casas e levaram consigo as crianças.

Kawã acompanhou a mãe até a porta da oca e convocou todos os pássaros da floresta para vigiá-la.

– Eu dou à Nadi e Apoji o poder sobre todos vocês – disse dirigindo-se às aves – obedeçam a tudo o que elas pedirem desde que não se choque com a minha ordem maior de proteger a vida das duas.

Dito isso, o pajé saiu para a noite levando consigo somente um pequeno pássaro em seu ombro. Parou no local em que a reunião estava acontecendo.
Comentários
2 Comentários

2 comentários :

Anônimo disse...

Oi Mana Morena,

Adorei "Cinco flechas". Para falar a verdade fiquei confusa com o nome da mulher de Kawã.

Escreva já o restante!

Beijocas

jorginhojpr disse...

Oi minha linda jovem Ellen

to gostando muito doque estou lendo...

vou ler mais um pouco e em uma nova oportunidade eu volterei e comentarei por completo...

fique na paz...

Sejam bem-vindos ao facetas!

................TODOS OS TEXTOS DESSE BLOG SÃO AUTORAIS............

Resolvi utilizar este espaço para divulgação de trechos de alguns trabalhos meus... Espero que vocês apreciem. Críticas e comentários serão muito bem-vindos, sobretudo críticas!

Se você já leu o texto acima não fique tímido: fique à vontade para comentar em outras postagens!